quinta-feira, 3 de março de 2011

Enbusen de geladeira

Aos poucos eu ia me adaptando à minha nova realidade. Na verdade, a minha adaptação ao novo país estava sendo muito mais rápida do que se podia imaginar. Na escola já tinha feito amigos (em grande parte graças ao professor, o sensei Oishi que fez de tudo para que eu me adaptasse da melhor maneira com o restante das crianças da sala) e estes já frequentemente vinham me visitar em casa após as aulas. Ser criança possui uma tremenda vantagem em relação à ser adulto: A criança ainda está se moldando, ainda não possui conceitos completamente fixos e a aceitação para as coisas novas do mundo, do ambiente são muito mais facilmente "digeridas" do que um ser humano em fase adulta, onde possui inúmeras barreiras psicológicas dentro da sua cabeça responsável por definir e rotular todas as situações da vida. Ser criança, na evolução do ser como pessoa, inevitavelmente eu classifico como uma fase onde é sempre muito mais fácil de se aprender, se adaptar à alguma coisa ou situação.
Com os amigos japoneses da escola, eu tinha várias atividades à serem exploradas. De pedaladas de bicicleta até o "Circle K" mais próximo para comer um "Niku-man", até os campinhos do bairro para um "Catch ball".

Entre os amigos e a escola que era período quase integral, nesta época em que eu ainda era faixa branca recém iniciado no Karate, estavam lá colados na geladeira os desenhos que o meu irmão fez para mim com o Embusen do Taikyoku Jodan (primeiro Kata da linhagem Yamaguchi Goju-Kai de Karate Goju-Ryu). O desenho era caprichado, não era simplesmente uma indicação de direções do Kata. O desenho tinha detalhadamente os pés desenhados como pegadas, formando exatamente o posicionamento dos pés em sanchin-dachi e zenkutsu-dachi (bases de Karate). Com uma jornada de trabalho tão pesada, eu sinceramente não sei onde meu irmão encontrava tempo e disposição para fazer coisas como essa.

Hoje em dia quando nossos alunos se justificam, seja a "falta de tempo", dor de barriga ou qualquer outra coisa, eu lembro do meu irmão e de como eu aprendi com ele que, o verdadeiro valor das pessoas está em sua sede de tentar. Afinal, Karate-Do é o caminho de uma perfeição que nunca irá existir e tentar é exatamente o que te define ao caminhar por esta estrada.

Se existe alto que eu quis por toda a minha vida dentro do Karate, foi caminhar entre os grandes. Neste caso, significava ser igual ao meu irmão. Nesses quase vinte anos de treino, as lições que eu aprendi perseguindo este objetivo foram muito além do significado óbvio daquele desenho colado na porta da geladeira. Lembrando daquele papel ali, só consigo pensar que você faz de tudo por aquilo que você realmente se importa, mesmo que você trabalhe dezesseis horas por dia numa fábrica. Se você quer ser grande, primeiro tem que tentar com o melhor que você tem.

Naquele papel estava escrito que, ele era sim, o melhor que podia ser.

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