quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Memorando das derrotas

Aquela segunda-feira era exatamente igual à todas as outras. A escola entre os perídos da manhã e da tarde, uma pequena folga até o sol baixar e o agora já rotineiro caminho de trem até Hamakita. Fisicamente, comparando com os meus dias de adulto, acho que posso dizer que naquela época o que eu sentia treinando todos os dias, estava bem longe de ser cansaço. Mas de alguma forma, eu pensava que estava cansado.

A pequena linha de trem, que ligava Hamamatsu à Hamakita, nos levava até o Dojo. Andando por cerca de 100 ou 150 metros, contando inúmeros pensamentos que vinham na minha cabeça, chegava então no Dojo.
O Dojo era antigo, quase no meio do nada. Perto da estação de trem, porém quase isolado num terreno onde ao lado havia apenas uma plantação de alguma coisa que não me lembro e mato, muito mato.

O Shihan dali, mais parecia da Yakuza. Era rígido com as crianças e era comum vê-lo com o Shinai na mão distribuindo algumas pancadas leves, nas pernas traseiras que ousavam permanecer dobradas nos zenkutsudachis do Kihon-Ido.

O treino geralmente era composto por Kihon, Kihon-Ido, Shiho-Ido, Kata e Kumite. Respeitando sempre o sensei do local, meu irmão estava ali colaborando com a padronização dos exercícios e técnicas, sempre me usando como exemplo do que ele estava explicando ou ensinando.

Porém nem sempre servi de exemplo ali. Por mais que tivesse uma técnica melhor, fosse irmão do "novo sensei", eu também estava ali para aprender e por muitas vezes eu me esquecia disso. No final das contas isso era bom, mas não necessariamente tinha de ser assim. Deve ser o sangue pendendo nas decisões, de sempre escolher o lado intenso das coisas. Os Saito são passionais.

Me custou um tempo até me acostumar com a luta. Mas penso que esse é o caminho normal. Afinal, lutar é bom, é desde que você esteja no controle da situação, caso contrário, é um pesadelo. Ali, o treino encontrava o seu ápice no Kumite. Sempre, sem excessão, meu irmão me colocava para lutar com aquele faixa preta (que não lembro o nome). Bom ou não, com forma técnica arcaica ou não, ele era faixa preta e eu não. E isso, ali no Japão só quer dizer uma coisa: Você mereceu aquele faixa.

Naquele dia, no decorrer da luta levei um gyakuzuki e quase dobrei. Após esse golpe, a vontade de vencer sumiu, o domínio da luta idem e a única coisa que eu conseguia controlar eram as lágrimas que acumulavam nos olhos. Só pensava no tempo e no fim da luta. A luta então termina e nessa hora eu tinha até medo de olhar para o meu irmão, pois sabia que depois daquele treino eu teria duas opções: Outro treino de portas fechadas só eu e ele logo após o fim daquela aula ou aquele silêncio na volta para casa, que me repreendia mais do que qualquer bronca que pudesse levar.


Naquele instante não me sentia exemplo de nada, digno de nada e envergonhado por tudo. De nada adianta ser citado como exemplo de alguma coisa, querer ser exemplo de alguma coisa, se na hora difícil você acabar agindo como todos os outros. Não lembro se neste dia teve uma hora extra de treino de portas fechadas com o meu irmão, talvez por conta daquela sensação gigante de fracasso e derrota. Mas lembro sim do silêncio voltando para casa. Esperando o trem chegar digerindo a própria vergonha, olhando pelo vidro do trem um exemplo do que não queria ser e enfim enfim em casa, fechando os olhos para esquecer aquele dia.


A força nasce da fraqueza.

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