segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O melhor que eu podia ser

Depois de me mudar para a cidade de Hamamatsu, comecei a trabalhar em uma fábrica que fornecia peças para motores da Honda e da Suzuki. Era uma fábrica grande que dava empregos a muitos brasileiros dekassegis como eu, e que também possuia uma jornada de trabalho ampla, que proporcionava muitas horas extras. Meu turno iniciava às 17h e terminava às 8h da manhã do dia seguinte. De segunda a sábado. Era puxado confesso. Principalmente porque eu tinha muita dificuldade em dormir durante o dia. Mas, voltava do turno, tomava um banho e ia correr e treinar um pouco no "Shie Gurando". Começavam também as competições estaduais e queria me preparar. Fora o meu pequeno treino que fazia todos os dias depois da jornada de trabalho, treinava todos os sábados no Dojo do meu Sensei, onde íamos juntos, eu e o Horácio.
Durante o meu turno de trabalho, conseguia adiantar um pouco o serviço e depois do jantar, que acontecia lá pelas 23h, montava um treino que fazia atrás das máquinas. Era um treino de base e com pouco espaço (claro). Treinava algumas passagens de katas, alguns movimentos de kihons e renzoku waza (Kizami zuki e giyaku zuki).
Quem conhece um pouco da competividade japonesa, sabe que um campeonato estadual de karate (organizado pela WKF) é muito disputado e que conta com atletas de alto nível, de universidades e de atletas patrocinados. Quem quer crescer e melhorar, tem que ver e sentir de perto este nível de competividade. Eu queria estar lá.
Claro que o meu treinamento e minhas condições não me davam chances de disputa de medalhas nestas competições, mas o importante era estar lá para tentar, para ir contra os números e estatísticas, para dizer a mim mesmo que aquilo era possível, que eu era capaz.
Talvez eu não tenha conseguido ser o melhor dos atletas que eu enfrentei na época destas competições, mas com certeza eu tinha sido o melhor atleta que eu podia ser....

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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Entre Golpes e Pães

Aqueles pães de Yakisoba. O Japão é cheio de "loucuras" gastronômicas como esse sanduíche. A ocidentalização do Japão, que ocorre até os dias de hoje faz com que muitas vezes sejam vistas misturas como esta. Num crossover de culturas em diversos seguimentos da vida cotidiana. O "Hot Dog de Yakisoba" era fruto dessa influência.
O homem por trás daquela loja de pães ( não vamos chamar de padaria, porque são mais como lojas do que padarias de fato) era o nosso sensei, Nagatani sensei.
Se algum dia você encontrar o Nagatani sensei caminhando pela rua, você só vai ver este homem gentil, simples e não ficará surpreso se ele lhe revelar que tem uma loja de pães. Um cidadão comum, simples de uma pequena cidade japonesa.

Porém, nas noites de terça, quinta e sábado, a história era uma bem diferente.
No comando das aulas de Karate, o sensei Nagatani era rígido. Não vou dizer que era bravo pois acho que seria uma descrição errada. Apesar de cobrar bastante de todos os alunos sem excessão, ele nunca perdeu o bom humor. Parando para pensar, eu até hoje não consigo entender como isso era possível. Mesmo quando estava lutando, testando e ensinando os alunos de perto, sempre, de alguma forma eu lembro dele com aquela mesma expressão de quem estava tranquilo e muito bem para com aquilo que estava fazendo. Quase como se estivesse sempre num estado de Graça que anulava seus anseios.
Tenho imensa gratidão não só pelos incontáveis Teisho Ates (Golpe frontal com a palma da mão) que eu levei no rosto quando era menino, mas também por aquelas noites em que comi aqueles pães voltando para casa. Sempre dentro de uma sacolinha e sempre, os pães com Yakisoba.
Entre os nossos alunos, circula a lenda de que as paredes do Honbu Dojo (a matriz da nossa escola no Japão) possuem marcas, madeiras quebradas. Fruto dos golpes do Nagatani sensei desferidos contra o meu irmão que voava contra aquelas paredes.
Eu tenho muito orgulho de para mim, isso ser uma história e não uma lenda. Pois eu vi. Eu vivi aqueles sábados à noite. Tenho orgulho de ter aprendido sob aquele mesmo teto, o que o Karate significa para o Nagatani sensei e para o meu irmão.
O Karate, de fato sob aquele teto, daquele dojo, era digamos assim, o pão nosso de cada dia.

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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Primeiro dia Saito Brothers

Chegara sábado. Dia que iríamos pegar o táxi, pegar o trem até Kikugawa, pegar o ônibus até a cidade de Sagara e irmos até a loja de esportes da Kondo-san, comprar o primeiro Karate-gi do meu brother. Era um karate-gi de iniciante, confesso, da marca Fuji Daruma, mas isso não tinha a menor importância. Era o início de uma grande parceria, o início dos Saito Brothers dentro do cenário do Karate.
Era o primeiro dia de treinamento do Horácio e como qualquer aluno de dez anos, teve as suas dificuldades, mas aparentemente, tirou tudo de letra.
O treinamento era duro, era rígido, não cabendo diferenças entre idade ou sexo. A rigidez com que o Sensei Nagatani conduzia a aula era perfeitamente notada, afinal de contas, eram mais de dez crianças entre adultos, e não se ouvia nada além dos sons característicos do treinamento, sua voz de comando e nossos Kiais.
O treinamento seguia todo o padrão tradicional, kihon, kihon ido, katas, técnicas de kumite, muita ênfase na aplicabilidade das técnicas e tudo tinha que ter "Imi - 意味" tinha que ter siginificado. Que na prática, na verdade é o que mais importa. Uma ação sem significado, é um mero movimento.
No final do treino, meu brother parecia cansado, mas com um semblante de felicidade em seu rosto. E claro, para mim, isso era motivo de muito orgulho e alegria. O primeiro passo havia sido dado.
Daquela figura rígida que havia dado o treino instantes atrás , não ficava nada do Sensei Nagatani. Após o treino, ele era uma pessoa sorridente, cheio de curiosidades sobre o Brasil e brincalhão. Sensei Nagatani tinha uma loja de pães na cidade e após terminarmos de nos arrumar, ele se ofereceu de nos levar até a estação de trem de Kikugawa, pois dizia que não devíamos gastar dinheiro com o táxi. No caminho, ele passou em sua loja de pães e voltou com uma sacola cheia deles.
Este foi o primeiro sábado, de muitos, que executaríamos a mesma rotina, de muitos que voltaríamos conversando e comendo pão com recheio de yakisoba, momentos únicos e que a memória, graças à Deus, guarda com carinho....

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quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O nó da minha vida

Meu primeiro Karate-Gi (popularmente conhecido como Kimono no Brasil) foi um de uma marca chamada Fuji Daruma. Era um Karate-Gi de iniciante. Para quem não sabe, óbviamente o Japão sendo o país do Karate-Do, também é o país dos materiais de Karate-Do. Ou seja, kimonos (vou chamar assim para ficar mais fácil) japoneses para quem gosta da coisa, são realmente os melhores. É claro que isso depende muito do seu senso de Karate-Do. Não estou falando dos Kimonos molengões de shiai-kumite confeccionados para serem leves. Estou falando de peso, de Heavy Weight, do tradicional Kimono de lona.

Meu Fuji Daruma era um Karate-Gi simples, de iniciante mesmo. Mas a aura da coisa estava na verdade, muito mais embutida no ritual de colocar o Kimono e não na pompa deste mesmo. Era tão bacana vestir aquele Kimono. Devidamente vestido, ali na aula de Karate eu me sentia mais próximo do que o meu irmão era. E isso me fazia feliz. O engraçado é que hoje, mesmo após tantos anos e mesmo após os Karate-Gis pomposos de lona japonesa, continua sendo a mesma sensação para mim.

Assim como tantas coisas dadas pelo meu irmão, a minha primeira faixa dentro da minha história dentro do Karate-Do, também foi algo que herdei dele. Talvez aquela faixa tenha simbolizado o que viria pela frente.

Era uma fixa da Mizuno. Grossa, mas muito grossa e difícil de ser amarrada por um moleque de dez anos. Enquanto os outros garotos faixas brancas da minha idade do dojo tinham faixas maleáveis, eu tinha aquela Mizuno que eu mal conseguia apertar o nó sozinho.

É claro que naquele momento eu não soube enxergar a coisa desta forma, mas ali estava escrito que a herança viria com uma boa dose de esforço e responsabilidade. Eu assumi ali mesmo sem saber, o compromisso de fazer o meu melhor, me virar como pudesse e fazer valer a fé do meu irmão. Não é porque tinha um irmão mais velho que era faixa preta que as coisas seriam mais fáceis para mim, lógico que não.

Por onde andam aquelas faixas tão maleáveis daquela época... Aquela velha Mizuno durona continua aqui, bem viva e com a mesma dureza de sempre...

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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Um companheiro de treino

Após ouvir todo o sermão que minha mãe fez sobre as responsabilidades que se deve ter se quisesse treinar karate, meu irmão pensou e respondeu que queria treinar. Eu fiquei muito feliz, pois, era um membro da família que também, a partir de agora, trilharia o caminho do karate.
Naquela semana já iniciamos os treinos físicos e no sábado iríamos mais cedo ao Dojo para antes passarmos na loja de Esportes da Kondo-san para comprar o primeiro "Karate-gi" do meu brother.
Próximo do nosso prédio havia o Estádio do Chunichi "Dragons" e ao lado o Shie Gurandu, que era um campo gramado com uma pista para caminhada e corrida ao redor.
Este foi o nosso cenário de muitos treinos, nosso, porque eu não estava mais sózinho na minhas corridas e treinos de kihon ido, kumite ou kata, agora tinha um companheiro de treino.
Além do campo gramado, da pista de corrida, haviam também ao redor muitas árvores, que a natureza gentilmente nos cedeu para nossos treinos de calejamento.
Nossos treinos eram duros e penosos, ainda mais para uma criança de dez anos, corridas, flexões nas pedras, calejamento nas árvores, kihons, katas, kumite..... mas via naquele garoto uma vontade natural de aprender, e a maior lição que ele poderia levar para que no seu futuro ele pudesse alcançar seus objetivos, era que, por maior que seja a sua dor, por maior que seja o seu obstáculo, por maior que seja o seu sacrifício, a sua vontade de vencer tem que ser maior. Encontrei ali um parceiro de treino, não só para os treinos físicos, mas para tudo, para todos os meus treinos diários, agora meus treinos não eram mais solitários, tinha um companheiro de treino......

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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Here Comes a New Challenger

"Se você quiser começar a treinar karate, pense bem, pois é uma coisa muito séria, porque se começar não vai poder parar...". Sábias palavras da minha mãe. Hoje, ela deve saber que eu realmente quis treinar Karate.
Quando se é criança ou adolescente, você acredita que sabe das coisas, que toma decisões. Mas a verdade é que você nunca sabe no que está se mentendo. Esse talvez tenha sido o meu caso ao decidir treinar Karate junto com o meu irmão. A parte boa da coisa você consegue ver de olhos fechados, mas a parte difícil quase nunca é notada de forma realista, acaba permanecendo a sensação de que tudo pode ser feito. Cá entre nós, para mim essa é a grande beleza da coisa. A força que existe na ingenuidade. Chega à ser poético.
Daí em diante, já são contos para outro dia.

Não me lembro da data exata. Mas num desses dias após o primeiro treino de Karate e o primeiro dia de aula na escola japonesa, meu irmão me levou ao centro de Hamamatsu. Lugar onde havia muita diversão. Lojas, lanchonetes de fast food e é claro, os Game Centers (ゲームセンター).

Com a ida de finitiva do meu irmão para Hamamatsu, para viver conosco, além do Karate, o que mais nos aproximou como irmãos e amigos, foram esses Game Centers. O meu primeiro contato com um jogo de luta é claro que foi justamente nesta época num Game Center de Hamamatsu. Eu não sabia se ficava mais deslumbrado com as máquinas de begar bichos de pelúcia (que no Japão se chamam Ufo-Cacher) ou com os jogos de luta.

O primeiro jogo que joguei foi 餓狼伝説(Garou Densetsu ou Fatal Fury no Ocidente). Se existe uma coisa além do Karate que marcou a minha fase no Japão, essa coisa foi a febre pelos jogos de luta. De Fatal Fury, 龍虎の拳 (Ryuuko no Ken ou Art Of Fight), passando rápidamente por World Heroes e criando raízes em Street Fighter e Virtua Fighter.  

Mas o que diabos isso tem a ver com os irrmãos Saito? Simples, tudo. A cada dia que se passava, mais vínculos se criavam além do sangue e mais paixões eu herdava do meu irmão.A cada momento, nós criamos uma nova conexão. Talvez esse seja o segredo (que não é segredo nenhum) da nossa ligação, da nossa amizade e consequentemente do nosso Karate.

Sim mãe, eu quero treinar Karate.    

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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Iniciando um Caminho

Depois de voltarmos do treino, não nos faltava assunto. Era muito legal ver aquele garotinho que um dia eu havia ensinado a empinar pipa, rodar pião, dançar "Break" (rsrsrs) e hoje ali, com vontade de iniciar a arte que era tão importante para mim.

Lembro de minha mãe dizer a ele: "Se você quiser começar a treinar karate, pense bem, pois é uma coisa muito séria, porque se começar não vai poder parar..."

E, ele pensou bem, decidiu começar a treinar e iniciaria na semana seguinte. Naquela semana também, eu me mudaria para junto da minha família e não precisaria mais viajar seis horas para poder treinar.

Consegui um serviço na mesma empresa que meu pai (Tokai) que prestava serviços para a Honda e Suzuki e a jornada de trabalho era das 17h às 8h. Viver na cidade de Hamamatsu, é como estar um pouco mais próximo do Brasil. Lojas de roupas, de produtos alimentícios, restaurantes, locadoras de vídeos, tudo gerenciado por brasileiros e produtos vindos do Brasil.

Lembro de irmos comprar um videogame, o "Megadrive" e foi a sensação, nossa, jogamos muito, era muito bom estar ali, família unida, o laço de sangue se trilhando num caminho mais profundo, um caminho de amizade, de respeito, de companheirismo, o início dos Saito Brothers.....

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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Chá Verde No Meu Doce

Saimos de casa rumo ao treino de Karate. Uma viagem até que longa. Acompanhando o meu irmão mais velho, sigo para o que seria o meu primeiro contato com um ambiente que marcaria demais a minha infância, o Dojo de Sagara.
Entre plantações de chá e uma viagem de trem, lembro deste dia exatamente com os olhos infantis daquela época. Meu irmão me apresentando todo orgulhoso para os senseis Konomoto e Nagatani, para os outros praticantes do dojo. Pude perceber naquele dia o quanto era importante, o quanto meu irmão estava feliz por eu estar ali com ele, novamente como uma espécie de aprendiz/fiel escudeiro.

Porém, não vou enganar ninguém e dizer coisas filosóficas sobre aquele dia. Eu tinha dez anos e como disse, prevalece a ótica infantil daquele dia. Sei que seria muito mais bonito escrever que fiquei emocionado ao me deparar com a energia daquele lugar, dos senseis ou qualquer coisa deste tipo, mas com dez anos de idade na época, se eu disser que foi assim, é pura balela.

Lembro sim do meu irmão se esforçando para me mostrar o quanto ele era bom naquilo que fazia. Na verdade, mesmo que ele fosse ruim naquilo que estava fazendo, eu ia achar o máximo, pois ali estava eu de novo, de alguma forma, como nos dias em que ele me ensinou a andar de skate, o seguindo novamente. E isso por si só já bastava.

Naquele dia, lembro de ter saboreado pela primeira vez um doce feito de chá verde. Um presente do sensei Konomoto, sempre muito gentil. Confesso que o sabor não foi dos melhores que já experimentei, mas hoje, essa lembrança para mim vale muito mais do que o gosto daquele doce daquele dia. Penso naquele gesto como a verdadeira humildade, o verdadeiro caráter que deve ser honrado por um praticante de Budo. Com nove dans conquistados ao longo do caminho do Karate-Do, todas as imagens que eu tenho guardadas comigo do sensei Konomoto são iguais. Humildade e simplicidade. Lembrar daquele gesto do sensei me faz pensar no que eu devo ser, em como o Karate-Do deve ser.

Voltando para casa, ao final de um dia tão empolgante, com uma revista que era uma espécie de coletânea de mangás (que meu irmão havia comprado), falando de tantas coisas daquele dia, só é preciso dizer que nós eramos muito mais felizes sendo uma família de novo e eu, tendo o meu irmão de volta.

Hoje, quando penso naquele doce de chá verde, entendo que certas coisas se tornam doces com o tempo.

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