segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Saito Kyodai

Nossos dias no Japão seguiam uma certa rotina, o que havia aprendido, já que o Japão é um país metódico. Nossos domingos à tarde eram sempre voltados a passeios no Shopping, Game Centers, sair com os amigos ou reunir todos em casa para uma batalha de Street Fighter no vídeo game. Mas estávamos sempre juntos, seja treinando ou nos divertindo.

Lembro de um evento promovido pela Prefeitura da cidade de Hamamatsu, onde convidaram diversas personalidades para representarem seus países e suas culturas. Na oportunidade fomos convidados para representarmos o Karate do Brasil em uma apresentação com vários outros Senseis e Dojos. Foi realmente com muito orgulho que pudemos representar o nosso amado país. E talvez tenha sido a primeira vez que nos apresentamos, apenas nós dois, os irmãos Saito. Claro que não tínhamos na época a pretensão de sermos uma dupla de Bunkai, mas lembro que apresentamos o kata Kururunfa e algumas aplicações. Fizemos também algumas demonstrações de "Tameshiwari" (quebramento de tábuas), tudo proposto ali na hora, sem aviso, pelos Senseis Japoneses que estavam também se apresentando e aquela foi a primeira vez que o Horácio teve que quebrar uma madeira, sem saber como, sem ser avisado e em público. Talvez ele não tenha entendido na hora, mas aquele tinha sido um verdadeiro Tameshi e eu sabia que ele não falharia, apenas disse a ele: "Vai lá e quebra!"

Talvez este seja um dos segredos do entrosamento dos Saito Kyodai, não apenas o treinamento técnico em si, não apenas o esforço empregado por cada um, mas o fato de trilharmos juntos o Caminho do Karate-do Goju-ryu, o Caminho do Budo, mas acima de tudo o Caminho de sangue e de honra da Família Saito.


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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A era do preto e branco

Não havia motivos para não ser verdadeiro. Não há motivos para não ser verdadeiro, para mim esta continua sendo a afirmação sobre tudo isso. Os socos de ontem já foram absorvidos por quem você se tornou hoje, o que resta sempre ao amanhacer, é o que você vai fazer nas próximas vinte e quatro horas, caso contrário de nada vale o passado.
Parte do que entendo por honra, quer dizer, lutar no presente pelo futuro para ser fiel às batalhas vencidas, ser fiel às glórias do passado.
Só há espaço para a verdade na afirmação "eu sou faixa preta" e neste caso a verdade se faz nas tentativas do presente, caso contrário, a afirmação correta seria "eu era faixa preta". Quem é alguma coisa, luta.

O caminho com o passar dos anos(das faixas e graduações) se torna cada vez mais preto no branco. As perguntas exigem respostas concretas, só há espaço para sim e não. Muita gente na vida confunde equilíbrio com algo mal preenchido. Estar sempre no meio do caminho não quer dizer que isso seja equilibrado, só quer dizer que é incerto.

A era do preto e branco é o que penso sobre a faixa preta. O branco que um dia se torna preto e o preto, que por sua vez, vai ter que se "gastar" para ficar branco novamente. A cor preta é o que todos buscam no início de tudo, mas logo adiante o que se percebe é que na realidade, o grande aprendizado e o engrandecimento do ser que se procura, mora no branco.

Um papel cheio de verdades é o que guardo no final do dia, um papel cheio de mentiras não existe nem no arquivo e nem na mesa. E pela manhã, no dia seguinte, sempre há esta folha em branco esperando pelas palavras: Eu sou faixa preta.

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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Kuro Obi - O início do Caminho

Agora que o Horácio havia conseguido passar no exame, caia sobre ele a responsabilidade de trilhar o caminho do verdadeiro Karate.
A faixa preta é o divisor, onde a lições aprendidas até então devem começar a ser colocadas em prática, não apenas no contexto técnico mas também em seu dia a dia.
Ele a partir de então era mais um Saito a trilhar o caminho do Karate-do Goju-ryu. Era mais um representante da Associação Shizuoka Goju-kan, discípulo do Hanshi Konomoto Takashi.
Pedi para tirar uma foto dele com sua nova faixa ao lado do Shihan dai do Dojo, Sensei Nagatani. Acredito que todas as dificuldades do percurso são apenas testes para que nos fortalecer e nos preparar para podermos trilhar o caminho da sinceridade.

Nem é preciso dizer o orgulho de toda a família Saito, ainda mais porque até mesmo para os padrões japoneses, o Horácio havia conseguido chegar até aquele estágio de forma muito rápida, em menos de três anos, merecendo até reportagens em jornais locais.

Para quem sabe o verdadeiro valor do Budo e o que representa o fato de ser aceito como Kuro Obi em um Dojo Tradicional, aquele era um momento memorável.

Kuro Obi, aquele era o início do Caminho dele......

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quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Onde as coisas começam

O lugar era o mesmo, as pessoas também. Os mesmos golpes, as mesmas sequências, os mesmos passos. O clima lá fora, não era diferente daquele encontrado há alguns anos atrás, ali, naquele mesmo lugar.

O gosto da água no intervalo, era o mesmo de sempre.
Mas algo mudara naquele dia.

O Karate-Do, é arte, o caminho por onde aprendemos através de um mesmo soco, novas verdades todos os dias. Aquele dia, para mim representava exatamente isso.
Anos atrás, eu pisava ali como um novato. Um papel em branco sem rabisco, desenhos ou palavras, agora três anos mais tarde lá estava eu, cultivando no meu papel a verdade que eu adquiri ali dentro, lapidando através da técnica, as verdades que eu queria para mim. Naquele papel, agora havia a minha verdade, moldando-se a cada dia, agora crescendo como gallhos em um tronco sólido chamado Karate-Do.

O mesmo não é mais o mesmo, porém sempre segue na mesma jornada.

É engraçado dizer isso, mas ao colocar a faixa preta pela primeira vez, me senti gente grande. Por mais que soubesse que à partir daquele momento teria pela frente novos desafios (isso inclui a palavra DIFICULDADES), a sensação era de muito orgulho. Um orgulho de ter feito algo grando por mim mesmo e tabém um orgulho por ter feito naquele momento as pessoas que sempre acreditaram, que um dia eu faria a mim mesmo orgulhoso, orgulhosas também.

Lembro de no final do exame, ter tirado fotos ao lado do sensei Nagatani. Quando fui tirar uma foto solo, por sugestão do meu irmão, ele disse "faça uma pose bacana" e eu, fiz um kamae do Kata Seienchin para a foto.
Eu que que no dia anterior acabava de completar meus treze anos. Tudo estava exatamente ali, da melhor maneira, muito além do que eu podia imaginar há três anos atrás.

Geralmente, as pessoas dizem que tudo tem começo, meio e fim. Mas eu, prefiro pensar que estamos sempre começando. Aquele dia, aquela faixa, era só mais um novo começo.

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segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Shinsa

Para muitos, praticar uma arte marcial é apenas mais uma atividade física ou um mero esporte. Mas para quem conhece os conceitos do Budo e principalmente, faz parte de famílias que mantém as tradições, é muito mais do que praticar, é preciso viver a arte marcial. Talvez o Horácio ainda não tivesse noção da dimensão de se tornar um Faixa Preta ali, mas com certeza sabia da sua responsabilidade.
Ele estava prestes a prestar um exame que para os garotos japoneses já era uma grande façanha, mas que para ele tinha um peso ainda maior, além de ser brasileiro, havia sido indicado pelo próprio Sensei Konomoto com menos de três anos após ter iniciado no Karate. Isto de fato já era por si só um grande mérito, mas também reconhecimento de muito esforço e para nós, a família, motivo de orgulho.
Mas, ele ainda precisava passar no exame, era necessário ainda ultrapassar aquele último obstáculo. O último obstáculo para iniciar realmente o verdadeiro caminho do Karate, pois a conquista da Faixa Preta indica que o aluno está pronto para trilhar o caminho do Budo.

Aquele Dojo é uma parte importante de minha vida. Muitos dos conceitos da vida e não apenas as técnicas do Karate, foram aprendidas ali, com suor, com esforço, mas também com muita sabedoria, paciência e confiança do Nagatani Sensei e do Mestre Konomoto.
Ser parte daquele Dojo era um motivo de orgulho. Estar ali assistindo ao exame do meu irmão, dobrava este sentimento, pois tinha a certeza no fundo de minha alma que o sobrenome Saito seria também um dia motivo de orgulho para nossos Senseis e poderia assim retribuir tudo que haviam me ensinado.

Dia de Shinsa, dia orgulho para a família Saito, principalmente para mim, que pude ver meu irmão com apenas treze anos se tornar a partir de então um "Kuro Obi".


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quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Acreditando para acreditar

Por incrível que pareça, mesmo estando prestes à relizar o exame para Shodan-Ho, eu não pensava muito à respeito. Na verdade, as coisas eram tão intensas no dia a dia que não era necessário pensar no que vinha adiante. Hoje, muitos anos depois, eu me pergunto se isso faz parte de quem eu sou ou se aprendi a ser assim no decorrer da minha vida.
Era tudo tão intenso, é tudo muito intenso. Era tão ocupado com o dia de hoje, treinando para ter o melhor da minha capacidade, para ser fiel à tudo aquilo que eu esperava, que o exame para Shodan-Ho tornava-se um detalhe.
Veja bem, não apenas um detalhe, mas um detalhe especial. Sentia que ser faixa preta era uma questão de fazer as coisas no presente, o que começava já quando estava na faixa marrom. Todo faixa marrom, há de se comportar como faixa preta se esta faixa for o seu próximo objetivo. Isso eu aprendi. Então, o dia de hoje era mais importante do que o dia do exame.

Sempre aprendi ali, dentro do Dojo, que o exame de faixa era feito no decorrer do tempo e que o "dia do exame" era apenas um dia que simbolizava o teste, o aprendizado daquele tempo vivido com treino e dedicação. Era o dia de tornar concreto, aquilo que já estava presente.

Penso que todo discípulo, confia muito mais nas palavras dos seus mestres do que nos próprios pensamentos.e no decorrer do caminho, aprendem a confiar nos próprios pés. À partir do momento em que o sensei me permitiu, me deu aquela oportunidade, então é a palavra de quem te guia dizendo que você é capaz. No meu caso, tive grandes exemplos,  senseis ali (incluindo o meu irmão) dizendo que sim, então, não passei um dia se quer até o exame, pensando que não fosse capaz. Acreditava neles e aprendia a acreditar também.

Esse caminho é sobre acreditar. Quem duvida não luta, quem duvida morre na luta. Acreditamos no dia de amanhã, mas lutamos sempre no presente. Não era fáciil e o ser humano é sempre estúpido ao achar que alguém lhe disse que vai ser, quando nnguém nunca disse nada a respeito. É o que é, e nós lutamos por isso.

Ser antes de ter. O tempo voa para os que são. Amanhã então, já era o dia de ter.

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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Treinando a ansiedade

Uma das coisas interessantes do Japão é que o moderno convive com o tradicional de forma passiva e até em certas vezes curiosas. Lembrar que em um país onde a alta tecnologia eletrônica esteja tão presente nas vidas das pessoas, no Honbu Dojo Shizuoka Goju-kan, na cidade de Sagara, ainda havia telefone de discar. Lembrar do Honbu Dojo traz sensações únicas. O chão e as paredes de madeira antiga faziam o Dojo ter um cheiro peculiar e a energia acumulada naquele interior era intensa, fruto do suor de muitos alunos que se dedicaram a treinos pesados para manterem as tradições e honrarem aquele local sagrado. Seus nomes estavam todos nas plaquetas penduradas na parede, destinados aos Faixas Pretas, onde estava também o meu e se o meu irmão fosse aprovado no exame, teria o nome dele também ali.

Procurava não lembrar ao Horácio da importância de tal exame, apenas para não causar-lhe mais pressão, afinal de contas Exame para Shodan-Ho ali, por si só já era motivo de pressão e nervosismo. Mas ao mesmo tempo também não deixava transparecer o motivo de orgulho, talvez ele não tivesse ideia de tal feito, por ser um jovem de apenas 13 anos, mas já orgulhava toda a família Saito.

Aquele Dojo havia se tornado meu segundo lar, foi onde aprendi os primeiros movimentos de Karate-do Goju-ryu, onde pude corrigir várias técnicas que já haviam se tornado maus hábitos, onde pude dormir quando viajava de outra Província para treinar. Um lugar onde quando cheguei por não dominar o idioma, falava muitas vezes por gestos e hoje muita coisa não necessitava de palavras, podia-se entender com o sentimento. Onde aprendi que humildade e simplicidade não se explica apenas com palavras, mas o mais importante, pelo exemplo de suas atitudes. Um lugar onde eu realmente me sentia em casa, mesmo estando tão longe de minha terra natal.

Assim me preparava com expectativa para o Exame do meu irmão. Controlando a ansiedade e esperando que ele pudesse por em prática tudo que ele havia aprendido.

Ele era um Saito, tinha que se superar......

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quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O tempo, o fogo e o silêncio

Com toda certza, o dom não foi o nosso forte até aqui.
Aquele ano de 1994, foi um ano de grandes lembranças. Disputei campeonatos imortantes e venci pela primeira vez um campeonato no Japão. Treinava todos os dias com o meu irmão e aprendia muito com todas as situações. Era muito treino, mas muito mesmo.

Não era sempre prazeroso. Sempre deixei bem claro isso. O grande prazer, sempre esteve ligado em me tornar melhor a cada dia, isso quase sempre estava diretamente ligado à trabalhar em cima de suas fraquezas ou seja, não existe zona de conforto, só zona de desconforto talvez.

Porém, ter o meu irmão comigo nos treinamentos sempre me ajudou a encarar isso tudo da forma certa. Afinal, eu queria ser como ele. Nele eu via o que eu devia ser.

Eu nunca vi o meu irmão reclamar de nada. Sempre o via fazendo as coisas e nunca falando a respeito delas. Eu nunca o se queixando sobre os problemas e as dificuldades do Karate, sempre o via agindo, tentando, sempre fazendo o melhor possível. Eu nunca vi o meu irmão desistir de uma luta, por mais forte que o adversário fosse e por mais doído que fossem os golpes. Eu nunca vi o meu irmão pensando sobre algo que não pudesse fazer e sim, sempre pensando em alguma forma de fazer. Foi olhando para ele sempre, que eu vi o que deveria ser feito.

Logo, naquele ritmo intenso de convivência e treino, eu aprendia também aos poucos a não falar das coisas, porque o tempo gasto falando, é muito mais valioso se gasto treinando. Assim como meus irmãos, eu tenho uma personalidade forte. Muitas vezes fiz as coisas a contra gosto e o meu irmão sabe disso, porém ele só sabe disso porque me conhece e não porque eu tenha dito algo na época.
É necessário calar-se, e deixar o fogo que existe dentro de si queimar com atitudes, o treino sempre foi a minha atitude e o silêncio meu companheiro nessas horas. Não há lugar para falas no meu modo de ver as coisas, não para quem segue adiante.

Para mim, o meu irmão significava "Faixa Preta" e eu, só queria ser como ele. Falei menos coisas que queria e com o silêncio fiz o que devia, logo compreendo então, porque merecia fazer o exame.

Não era dom e nunca foi. É só uma questão de tempo, fogo e silêncio, é a nossa alma.

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