segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Um Dojo, Honra e Fidelidade

No tempo em que vivi no Japão, o Dojo de Sagara-cho era como se fosse um segundo lar. Lá, além de aprender as técnicas de Karate-do Goju-ryu, aprendi as lições mais importantes da vida. Sempre acreditei e desde criança gostava, confesso, das lendas que envolvem o mundo das artes marciais. Da honra que os praticantes possuíam para com seus ideais, da lealdade para com a verdade e a justiça. Estar ali naquele Dojo me fazia retornar a esta época de criança, honrar meu Sensei, honrar seus ensinamentos, ser leal a ele e àquele Dojo. Penso que esta é a verdade que cerca a prática de uma arte marcial tão nobre, esta lealdade, esta honra.

Um Dojo é um local sagrado de treinamento, não é apenas um lugar para se praticar exercícios. Tudo que envolve sua prática ali dentro, a energia, as crenças e os Deuses. Desde o "Rei" que se faz ao adentrar no Dojo, até o "Rei" que se faz ao sair, você está sob esta força grandiosa. Ali no nosso Dojo havia o Shinzen e ao lado um "Daruma" que no Japão representa a perseverança. Konomoto Senei é, além de Sensei de Karate, também um "Bonsan", um monge Zen. Por isso estar ali, era uma experiência única.

Devemos ser leais aos nossos Senseis e ao nosso Dojo, sempre e para sempre.

O Campeonato Nacional em Tokyo aconteceu em Agosto, mas não havia conseguido nenhum bom resultado nem no Kata, nem no kumite. Estava agora me preparando para o Estadual da Goju-kai, que iria acontecer no mês de novembro. Queria obter um bom resultado, queria dedicar o resultado ao Sensei, ainda mais que o Campeonato acontecia na cidade onde ficava o Dojo, em Sagara-cho.

Treinar, era só este o pensamento, ansioso esperando......

Shizuoka Goju-kan saigo made ni!!!!!

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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

As férias do sangue

Apos passar um tempo tendo aulas particulares para me readaptar aos estudos, lá estava eu de novo numa nova escola, num novo lugar.

A vida seguia adiante sem perguntar nada. A vida nunca pergunta nada, ainda mais para um moleque de treze, agora quase quatorze anos de idade.

Se passara alguns poucos meses desde que voltei do Japão e a sensação que tinha, era a de que estava de férias do Karate. Era estranha aquela sensação de não ter mais todoss os dias da semana ocupados com os treinos de Karate, porém também significava ser um moleque normal da minha idade, podendo fazer todas as coisas que eu não fiz por conta do Karate.

Mais do que essa sensação de férias do Karate, pesava(ou aliviava) a sensaçãode que estava de férias das cobranças do meu irmão. Férias da pressão de ter que ser bom, das broncas principalmente. É óbvio, isso era sensacional, estamos falando de férias não?

Se eu fosse fazer um estudo sobre as pessoas da minha família, mais do que semelhança física, acho que encontraria semelhança entre as personalidades de cada um. Nós, os Saito, somos teimosos, de gênio forte e a simples tentativa de um de nós negar esta afirmação, já é uma mostra do quão teimosos somos de fato.

Das diversas broncas que tomei, creio que pelo menos 70% tenha sido ocasionada pela minha insubordinação. Não tenho vergonha de admitir isso, na verdade tenho orgulho por dois motivos essenciais. Primeiro, admitir isso só me faz enxergar uma parte de mim, que eu sempre terei que lidar, aprendendo a controlar, porque certas coisas nunca vão mudar(principalmente o que é de sangue) e é exatamente esta parte falha que vez ou outra, me mostrará se estou sendo humilde ou não. Segundo, eu não nasci para ser mais um e nessas horas que o sangue fervia, acho que pelo menos isso ficava evidente, que eu nunca ficava feliz ao ser contrariado pelo meu irmão, porém muito do que "tenho" hoje, é graças à esta gana, que me fazia querer mais das coisas.
Que fique bem claro, que estou enfatizando a nossa relação de sangue e família.

Férias. Estar longe do Karate, longe do meu irmão então pelo lado positivo(ou não) das coisas, queria dizer que por algum tempo eu estava de férias do meu sangue. Sem pressões altas dentro das artérias. E nessas férias eu fiz o que queria fazer sem me preocupar com nada.

Mas estamos falando de férias não? Então temos que saber, que uma hora elas acabam, para o bem elas acabam...

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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Mestres

Treinando agora com foco no Zen Nippon Karate-do Goju-kai Taikai (Campeonato Nacional de Karate-do Goju-kai) que seria realizado no ginásio Yoyogi, em Tokyo no mês de Agosto, não tinha tempo para ficar pensando no passado. O futuro era o que me motivava, e para que o futuro fosse bom, precisava trabalhar duro no presente.
No campeonato, o evento em si, já é um show a parte. Tudo organizado, programação do evento na entrada do ginásio para cada participante, com horários e kotos das categorias estipulados criteriosamente, a educação geral de todos os participantes e o bom senso comum, nenhum papel ou sujeira fora ou dentro do ginásio.

Um evento com aproximadamente mil participantes, sem atraso, sem erros, sem outra palavra, a não ser "impecável", assim são os eventos da Goju-kai no Japão.
Outro ponto alto do evento, além das finais, eram as apresentações, geralmente executada pelo Saiko Shihan Yamaguchi Goshi, que deixava sempre a todos extasiados, o silêncio total no ginásio e o poder que o "Ki" era emanado, tamanha era a concentração.

Poder estar ali representando o Dojo do Sensei Konomoto, era para mim uma grande honra, apesar de nem sempre conseguir um bom resultado, a concorrência nesta categoria era realmente grande e de se respeitar, já que ali tinham nomes como Saito Akihiro, Horst Baumgürtel, Yamaguchi Masatoshi, Kamogawa Naoto, entre muitos outros (aproximadamente uns cem) e sabia que meu nível ainda não estava a tal altura. Estar ali, mesmo perdendo era empolgante, pois tudo era material de estudo para crescer, para melhorar, para evoluir.

Outros Mestres como Kikuchi Sensei, Sakamoto Sensei, Futawatri Sensei, se apresentaram e os vendo pensava: "Um dia terei também conhecimento e sabedoria, um dia quero chegar a ser um Mestre....."

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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Quem é você?

Depois de colocar o sono em dia, tudo parecia ter voltado ao normal. Só parecia, porque não era mais o "normal" que eu havia me acostumado. Perto da minha casa, não havia mais uma loja de video games, nem as lojas de conveniência de grandes redes como "Circle K" ou "Seven Eleven".

Estava eu aqui de novo, desta vez num lugar familiar, mas que agora soava como estranho. Com excessão dos meus pais e das minhas duas irmãs, todas as pessoas do meu convívio diário ficaram para trás.

Os amigos, os lugares e as atividades, nada mais daquilo estava do meu lado. Era estranho encontrar com parentes, pessoas que eu não via há tempos e sinceramente talvez mais até do que quando cheguei no Japão, me senti como um estranho no ninho.

Claro, família é família e exatamente por isso sei que nenhum deles tem culpa pelo fato de eu ter me sentido de tal forma, a culpa, se é que dá para chamar assim, era da vida, dos acontecimentos, das memórias e das experiências que eu vivi naquele tempo em que estive longe.

Até aquela sensação passar demorou, assim como demorou para eu entendê-la também. Entender que, não eram as pessoas, o clima ou a casa no Brasil que haviam mudado e sim eu. Eu não voltei a mesma pessoa.

É óbvio. Porque toda criança, todo adolescente muda até a fase adulta. Mas não é disso que estou falando, estou falando de conceitos que moldam os pliares essenciais da vida, a raíz, o núcleo, a base.

Penso eu que, a formação da base de um indivíduo é o que o define como pessoa pela vida inteira. Todos mudamos, melhoramos ou pioramos no decorrer da vida, mas ninguém muda completamente lá na sua raíz. E a minha raíz foi moldada no Japão. Dali em diante então, talvez eu realmente estivesse no lugar certo ao ser chamado de japonês.

Mas mais uma vez, a vida exige uma adptação daquele que mais uma vez encontra-se como um estranho no ninho.

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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Lembranças

É engraçado como não temos controle de nada em nossas vidas. Me lembro da saudade que sentia de minha terra Natal e de minha família, quando viajei ao Japão atrás de meus sonhos. Me lembro também da alegria ao reencontrá-los. Agora, estava ali fazendo fazendo as mesmas coisas, percorrendo os mesmos caminhos, porém sozinho novamente.

Mas, não era hora de ficar sentindo pena de mim mesmo. Afinal de contas, estava ali por uma única razão: me tornar melhor. Então era preciso me esforçar par tal.
Os treinos sem o Horácio não eram os mesmos, confesso, mas por outro lado a vontade de aprender continuava a mesma. Continuava a ministrar os treinos nos Dojos de Hamakita e também em Hamamatsu e aos sábados no Dojo do meu Mestre na cidade de Sagara. Buscava aprimorar meus conhecimentos tanto na parte tradicional, quanto nas técnicas de competições.
Um fato interessante no Japão é que não se faz tanta distinção quanto à tradição e à competição como costumam fazer aqui no Brasil. Lá a arte é mais importante, e o fator competição é baseado apenas pelo fato de se seguir as regras e existir um vencedor e um perdedor. Os conceitos tradicionais são mantidos nos treinamentos nos Dojos, pois lá, Karate-do é um só, sem esta separação sem sentidos que muitas vezes ocorre por aqui.

Agora, nos treinos o que me restava eram lembranças e na verdade isso me mantinha motivado, queria voltar também à minha terra Natal, mas precisava estar pronto. Não sabia se isso levaria muito tempo, mas sabia que iria conseguir.

Conseguir a autorização do meu Mestre para sermos uma filial da Shizuoka Goju-kan no Brasil, esta era a meta daqui para frente......

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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Do brasileiro ao japonês

Descendente de japonês, no Brasil é chamado de japonês e no Japão é chamado de brasileiro. É estranho ser um pouco de cada e é estranhado ser um pouco de nada. Foi estranho voltar ao Brasil.

Dentro do avião, o tempo passou mais devagar do que o de costume(a viagem nem é longa). Passei mal, tomei remédios, dormi bastante, mas o suficiente para não lembrar do gosto ruim da comida que serviam no avião naquela época. Até hoje lembro do gosto(não sei se dá para chamar de gosto), de uma cenoura cozida que comi em uma das refeições voltando para o Brasil, ou pelo menos era para ser uma cenoura.

No aeroporto, encontro velhas lembranças naquela tonalidade meio marrom, meio esverdeada que se tem na combinação de cores das paredes e pisos do aeroporto(pelo menos para mim). Aos poucos é como se voltasse à ser japonês e não mais o brasileiro em terras japonesas.

Como se fosse eu disse bem.

Ao ver o meu pai, tive a mesma alegria que tive quando chegamos no Japão. Era bom saber que estava perto novamente e de alguma forma, agora ele parecia mais feliz, porque estávamos na nossa terra.

Sob efeito do fuso horário, é como se o retorno, o trajeto para casa de carro, tudo isso acontecesse sob efeito de uma maré que você apenas se deixa levar. Quando percebi, estávamos nós em casa desfazendo as malas e recebendo algumas visitas de parentes nos dando boas vindas.

É quase um doping esse fuso, mas bom, porque pelo menos por hora, nos mantinha longe da palavra saudade do que nós tínhamos acostumado a chamar de lar. Era bom, porque ninguém quer se sentir deslocado na própria casa.

Sem conseguir ver nada de forma muito nítida para amanhã, talvez fosse a questão apenas de fluir com o que acontecia ao redor. Uma certeza apenas, no Brasil, no calor, na minha casa e então, era hora de ser o japonês de novo.

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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Uma nova página

Depois de ver toda minha família partindo, perder meu companheiro de treino de todos os dias, a única coisa que me restava agora era voltar para o meu apartamento. A volta dentro do carro foi com um silêncio profundo.
Chegar no apartamento vazio me devolvia a uma realidade que eu já havia provado não ser boa. A solidão.
Estava sozinho novamente, por isso era preciso pensar em como conseguir alcançar meus objetivos o mais rápido possível e voltar também à minha terra Natal.
Confesso que era difícil sair para treinar, seja nos parques que íamos, ou nos Dojos que eu ia dar aula, tudo havia mudado.
Treinar, treinar muito, esta era a única coisa que importava agora. Os Senseis como sempre me apoiavam e no que fosse preciso eu sabia que podia contar com eles.

Uma página de nossa história estava sendo virada e uma nova estava sendo escrita. Queria agora não apenas levar o conhecimento do meu Mestre para o Brasil, queria levar também o eu nome.
Não sabia se isso seria possível, mas queria mostrar a ele todo o meu agradecimento por todo o conhecimento que ele me transmitiu, não apenas as técnicas apuradas, mas no sentido da vida, no modo de se ver o mundo. Isto não tinha preço para mim e a minha gratidão à ele também.
Treinar para quem sabe eu poder levar o nome Shizuoka Goju-kan para o Brasil, esta era a partir de então o meu objetivo.

Os ventos nos levam a lugares distantes e muitas vezes nos trazem de volta, esta era a nossa história, este era o nosso caminho e eu iria me empenhar ao máximo para conseguir......

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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O Presente da Adaptação

A vida é uma constante adaptação.

Desde a chegada ao Japão, até aquele momento que me encontrava ali, me despedindo do meu irmão aos prantos, ouvindo ele dizer que era como se seu braço direito estivesse sendo arrancado, tudo passou muito rápido.

Naquela última semana, fui aos treinos, nos Dojos diferentes onde eu treinava. É difícil descrever, mas acho que não definiria como tristeza, talvez como uma gratidão minha com uma espécie de reconhecimento deles, por ter vivido tantos momentos ali, por te valido à pena.

De todos os senseis eu ganhei alguma coisa antes de vir embora. Presentes que iam desde uma quantidade simbólica de dinheiro que o sensei tinha no bolso, até uma luva novinha da Mizuno(aquela toda surrada da foto).

Pelos outros lugares que nós frequentávamos por tabela, por causa do Karate, o restaurante onde comíamos nos sábados após o treino e na loja da Kondo san, onde comprávamos os Kimonos também passei naquela semana e também acabei ganhando presentes.

Dos donos do restaurante, eu ganhei uma caneta toda pomposa, digna de contratos milionários(pelo menos dentro dos meus sonhos de pré-adolescente). Na loja da Kondo san, lembro de ter passado por ali inúmeras vezes com o meu irmão antes dos treinos de Sagara. Eu adorava aquela loja(assim como ainda adoro lojas de esporte talvez por causa disso), tinha tanta coisa para ver, tanta coisa para querer e naquele dia, naquela última visita para me despedir, a Kondo san chegou para mim e disse "escolha o que você quiser". Eu acabei escolhendo um tênis, que toda vez namorava quando passávamos por ali.

Mais do que estes presentes, o que eu guardo eternamente comigo é o sentimento de gratidão por todos eles.

Vez ou outra, eu pego a medalha que o sensei Konomoto me deu(entre tantas outras) e entendo que há muito pela frente, muito à aprender sobre gratidão, respeito e humildade.

Aos prantos no aeroporto, se para o meu irmão era como perder um braço, para mim era como perder todo o resto, porque eu sempre o segui para onde quer que fosse. Ninguém enxerga ou tem a mínima noção do que ralmente está por vir de verdade, é só parar pensar onde você estava há dez anos atrás e com certeza verá que, naquela época não fazia a mínima idéia de onde estaria nos dias de hoje. O que há sempre é a esperança que rega planos que são traçados, as metas, mas nunca a certeza de nada.

Era hora de ir embora, sem ter a mínima idéia do que seria dali em diante. Doeu muito me despedir do meu irmão.

Mal sabia eu que o maior presente de todos estava ali, não naquela mala que eu empurrava em cima de um carrinho de aeroporto, mas com tudo aquilo que eu levava dentro de mim.

Todos os lugares, todas as pessoas, todos os senseis, todo o Karate-Do e por último, o último rosto conhecido que eu vi naquele lugar. Nascemos irmãos de sangue, mas naquele dia eu soube, o que era um amigo de verdade.

A vida segue no avisão de volta para "casa". A vida segue sendo uma constante adaptação, uma constante adaptação.

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