segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Uma nova etapa

Por mais que eu não pensasse na separação da família, o dia acabou chegando.
A caminho do aeroporto, tentava manter o tom descontraído, afinal de contas estava prestes a ficar novamente sem as pessoas que tanto amava.
Confesso que não consigo me lembrar muito dos pensamentos que tive naquela época, até porque sei que procurava não pensar em nada. Já havia passado por aquela situação uma vez quando deixei-os no Brasil e vim para o Japão, agora a situação era inversa, eles voltariam ao Brasil e eu ficaria no Japão. Porém, agora não era apenas o fato de sermos uma família, eu estava também perdendo um parceiro, um grande companheiro.
Abraçá-los novamente na porta do embarque era algo não só dolorido, mas é como se todo sentimento estivesse se esvaindo de dentro do coração e dentro dele ficasse somente o vazio.
Era necessário a minha permanência no Japão por mais um tempo, sabia disso, mas era difícil conter a emoção daquela despedida.
Abracei minha mãe e novamente estávamos nos separando, sem palavras, apenas a força do abraço e as lágrimas a escorrer pelo rosto. É difícil abrir os braços, pois nesta hora você sabe que isto significa deixar partir. Foi assim que abracei também minhas irmãs Simone e Melissa, era tudo muito intenso, era um sentimento que parecia rasgar a pele.
Ao abraçar meu irmão, sentia como se parte de mim estivesse sendo arrancada, disse a ele: "É como se estivessem arrancando meu braço direito......". Dor e vazio, era o que ficaria.
Vê-los partindo reforçou ainda mais o significado de minha decisão de ficar. Precisava não apenas treinar, mas tinha que me tornar o melhor.
Pensei baixinho, enquanto eles desapareciam de minha visão: "Ficarei aqui e me tornarei bom o suficiente para retornar ao Brasil junto à vocês e honrar nossa família, meu Mestre e nossa escola."
E, em companhia do silêncio, retornei ao apartamento, que agora estaria mais vazio.....


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quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O seu valor

Naquele tempo, eu nunca tive a real noção do que tudo aquilo significava. Muitas vezes as lições vinham sem que eu soubesse ou as enxergasse de forma clara.
Mas nem de longe isso quer dizer que eu não aprendia. Pelo contrário. Aprendia sem saber que estava aprendendo.

Prestes à voltar para o Brasil, eu já não era mais aquele mesmo menino que chegou ali naquela terra sem saber dos costumes e da língua local. Talvez nesta época, fosse muito mais um japonês do que um brasileiro. Este, certamente é o maior valor que um estrangeiro pode mostrar. Eu quis aprender, eu quis fazer parte, quis ser como eles e naquele momento esse era o meu maior valor.

Em qualquer vida, em qualquer raça, em qualquer existência, a vontade de aprender, de ser, sempre é o que acaba definindo o valor de uma pessoa. O que se faz para ser alguém?

É o tal do ser antes do ter. Eu nunca cobicei nada sem merecimento. Eu nunca quis ter nada sem ser alguma coisa antes disso e para ser, é necessário aprender e muito todos os dias.

Estava triste por em breve ter que deixar tudo aquilo para trás. Todas as pessoas, amigos, lugares e é claro, uma parte importante da minha família.

Talvez eu tenha evitado esses pensamentos ou talvez eu tenha escolhido de alguma forma não pensar sobre isso, mas é fato que mais uma vez eu ia ter que me despedir da minha grande referência e acima de tudo, do meu melhor amigo. O meu irmão.

As pessoas estavam tristes pela minha partida e eu também, porém sempre existe um lado bom para tudo(se não tem, está errado) e o bom, é que com muito orgulho eu percebi que eu merecia aquele sentimentdo que vinha de todos. Só sentimos falta do que tem valor e eu me sinto feliz, de ter tido o meu valor como pessoa reconhecido por tantas pessoas que eu respeitva tanto.


O meu valor, só existe porque conheci e aprendi com essas pessoas.

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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Decisões e opções

Nos treinamentos tentava não transparecer o fato de que iríamos nos separar novamente. A maior preocupação era tentar passar o máximo possível de informações a respeito da filosofia do nosso karate-do, de que era necessário uma força de vontade interna, que isso precisava brotar de dentro da alma. O Horácio havia conquistado além dos títulos em diversos campeonatos, o fato de se formar Shodan-ho em apenas três anos, aos treze anos. Ele não podia perder tudo isso ao retornar ao Brasil.
Claro que isso tudo não era ensinado a ele de forma teórica, era sim com muito treino e esforço. Talvez ele mesmo não entendesse o propósito de tudo aquilo, mas era de suma importância que o espírito do Budo, o espírito guerreiro fosse gravado em seu dna.

Seguíamos em nossos treinamentos em todos os Dojos e a notícia que ele iria retornar ao Brasil, causou tristeza nos Senseis e também nos alunos e pais, que com certeza haviam se transformados em amigos. Claro que, também sentiam-se felizes porque sabiam que o Horácio (Hora-kun como o chamavam) iria retornar a sua terra natal e levaria vários ensinamentos adquiridos ali.

Queria também retornar ao Brasil, agora ainda mais com minha família prestes a partir. Mas sabia também que precisava de mais conhecimento para que pudesse honrar o nome do meu Sensei e poder abrir um Dojo no Brasil, a opção era ficar e treinar mais.

A data da separação estava próxima, mas era preciso ser forte, era preciso acima de tudo ser um karate-ka.....

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quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Do fim ao começo

É difícil ver a vida, as experiências, os momentos vividos com um prazo de validade. Se tem uma coisa que eu aprendi ao longo desses anos com o meu irmão, vivendo dentro do Karate-Do, é que sempre existe uma visão positiva sobre as coisas e que o fim, também é o começo.

Assim como em diversos momentos difíceis da minha vida, meu irmão neste momento em que soubemos que eu iria embora, com alguma conversa para abodar o assunto. Não era assim que as coisas eram entre nós e creio eu que a nossa ligação era(e continua sendo) muito maior que qualquer conversa, que dentro deste contexto, só traria o amanhã sem necessidade para o nosso presente.

Se pensar demais, é claro que o fim das coisas fica muito mais evidente, já que é praticamente deixar para trás um mundo todo que se criou, que se moldou de acordo com o tempo e com os momentos vividos, passando por diversas sensações que vão da alegria à tristeza. No outro lado da moeda, é difícil de se ver o início de algo, porque todo início é um papel em branco, então conflita aquilo tudo que se vê, que se criou, com aquilo que não se vê porque ainda não existe, mas com o sentimento de que pode ser criado e cultivado.

Ensinam os sábios desta arte, que é sempre um paradoxo. E neste ponto da história, era apenas mais dos tantos pelo caminho, um importante que seja dito, mas era apenas mais um paradoxo.

Óbviamente, essa é a minha visão adulta da coisa. Porém naquele tempo, vivi como nunca o Budo no dia à dia com o meu irmão. Eu não aprendi a pensar no amanhã, ou melhor, eu não aprendi a antecipar o amanhã.

Vejo muitas pessoas no dia de hoje dizendo que é importante viver intensamente. Mas a verdade é que em pelo menos 99% dos casos, estas pessoas convertem uma filosofia, onde o intenso significa viver as verdades do hoje sem pensar nas consequências do amanhã, porque existe a certeza da conduta correta e plena do dia de hoje, para uma "filosofia" onde o lema é viver hoje como se não houvessem consequências amanhã. Isso é apenas inconsequência e estupidez diga-se de passagem.

Viver o hoje no Budo, quer dizer viver com maior responsabilidade e não o contrário.

Então essa é a intensidade do Budo. Eu aprendi a não antecipar nada e viver das consequências dos meus atos do dia de hoje. Se havia então um prazo para que aquilo tudo acabasse, que tudo então fosse vivido da melhor forma possível.


E com certeza, a consequência é estar aqui, escrevendo sobre estas memórias de tempos atrás. Talvez o coração humano só enxergue o fim, o encerramento, na data de validade e isso nós nascemos sabendo, que um dia o fim nos espera. O que aprendi dentro do Karate-Do, com os senseis que tive e com o meu irmão, é que no Budo, nós estamos sempre aprendendo sobre o começo. Viver ali, re3spirando Karate-Do ao lado do meu irmão, eram dias que agora tinham um prazo de validade, mas aquele era apenas mais um novo começo.

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segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O hoje e o amanhã

No ano de 1995 meu pai com saudades de nossa terra Natal, resolve voltar ao Brasil. Volta primeiro sozinho para poder reformar nossa antiga casa, minha mãe, o Horácio, a Simone e a Melissa ficam até que a reforma esteja concluída e eles possam voltar.

Novamente estamos prestes a nos separar e isto confesso não é o melhor dos sentimentos. A sensação de que estarei novamente longe das pessoas que amo me faz refletir até onde e o que realmente tem valor nesta vida.

Nossos treinamentos continuavam intensos e nossa rotina também. Treinávamos no Honbu Dojo de Shizuoka com o Sensei Nagatani e com o Hanshi Konomoto aos sábados, durante a semana eu ministrava aulas alternadamente nos Dojos de Hamamatsu e Hamakita e aos domingos de manhã ajudava o Sensei Takeda no Dojo de Kita Terajima que ficava dentro de um shopping na cidade de Hamamatsu.

Nossa família iria se separar novamente, então era preciso aproveitar todo o tempo possível para ficarmos juntos. No caso do meu brother Horácio, significava treinarmos mais ainda. Além dos treinos "normais", pedia o Dojo de Hamakita emprestado ao Sensei para fazermos estes treinos extras. Treinávamos nós dois e às vezes convidava alguns amigos e também outros Senseis de outros estilos. Sentia que iríamos ficar por um tempo longe e estas horas de treino junto com o Horácio eram para mim de muita importância. Passamos então, ainda mais tempo juntos e pudemos compartilhar não apenas conceitos técnicos, mas também pensamentos, ideais e claro, amor de família.

Sempre procurei ver o lado bom das coisas, ser sempre uma pessoa positiva e tentava ver que todo sacrifício tem sua finalidade e propósito.

Não iria me preocupar com o futuro agora, queria apenas treinar e treinar com meu brother......



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quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Shoshin

Aquele ano foi bastante intenso. Além da faixa preta, vieram muitos outros desafios, campeonatos e situações sempre novas. Muitas vezes as pessoas confudem as coisas. Usar a experiência a seu favor, não quer dizer viver momentos já vividos e tirar tudo de letra, na verdade quer dizer apenas usar o conhecimento sobre tudo que foi vivido até então, para encarar novas situações.

Nada é igual pelo caminho. Se é, certamente é porque você está fazendo da forma errada. Quem busca a verdade nunca vê as mesmas coisas, nem nos mesmos lugares.

Quando se é iniciante, existe uma falsa esperança para o futuro, onde se imagina uma facilidade. Quando eu for faixa preta, será mais fácil de fazer tal coisa. Errado. Uma vez que você anda, você muda, tudo muda com você. E essa talvez seja a grande maravilha da cosia, pois treinando duro, esta condição sempre irá existir, mantendo quem pratica sempre num estado eterno de busca pela melhora, com os pés sempre dentro da humildade, sinceridade, aquilo que creio que podemos chamar de "Shoshin". O bom e velho espírito de aprendiz.

Não são títulos, graduações, faixas ou kimonos bonitos que fazem o Karate-Do de cada um ser o que é. É o ser e não o ter.

Recentemente no último campeonato que competi, uma criança me perguntou quantas medalhas eu tinha e eu não soube responder. Elas estão guardadas numa gaveta da minha casa. Talvez se ele tivesse me perguntado sobre alguma história, de alguma dessas medalhas ganhas eu saberia responder de prontidão.

Mais do que qualquer coisa que eu possa ganhar de material, eu sempre fui muito mais ligado ao que se conta sobre estas conquistas. Talvez tenha aprendido isso com os senseis lá no Japão ou melhor, aprendi isso com eles lá. Na humildade de ser e não demonstrar, na sinceridade de ser sempre o símbolo de uma busca de quem serve a um propósito muito maior.


Shoshin, no final daquele ano de 1995, era o que eu teria que encontrar pela frente.

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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Uma Faixa, um Ideal

Me lembro de quando estava mais ou menos seis meses treinando no Honbu Dojo da Shizuoka Goju-kan, um dos pais dos alunos que treinavam lá me perguntou: - "Você sabe com quem está treinando?" e eu meio sem entender a pergunta respondi: - "Sim, com o Konomoto Sensei....." e ele rindo disse: - "Não, não, queria saber se você sabe quem é o Konomoto Sensei. Konomoto Sensei é um dos Senseis mais graduados de todo o Japão, ele é 9 Dan do estilo Goju-ryu, ele tem o título de Hanshi e possui a faixa vermelha de um lado e preta do outro." - Este comentário despertou ao mesmo tempo um ar de espanto, admiração e curiosidade.

Uma faixa dessas gera uma admiração por si só. Basta olhá-la. Mas o que mais me causou admiração, foi o fato de eu nunca ter visto Konomoto Sensei usando-a. Nos quase sete anos em que passei treinando neste Dojo, em apenas duas oportunidades vi esta faixa e nas duas ocasiões foi porque pedi ao Sensei para que eu tirasse uma foto. Gentilmente ele foi até o armário do Dojo e de dentro da gaveta retirou a faixa e a colocou para tirar a foto e novamente voltou a guardá-la. Deste episódio posso dizer que fiquei ainda mais admirado com o meu Sensei e também pelo fato de se comprovar na prática o que de fato é desapego do ego e do bem material, externo.

Deste dia em diante minha admiração só aumentou, mas também fiz disso um ideal. Um dia, com muito esforço e dedicação, gostaria de chegar a um nível como o do meu Sensei. A ter toda a sabedoria, humildade, simplicidade e este desapego. Poder ter a capacidade de portar uma faixa como aquela, mas também ter o conhecimento e a sabedoria para saber se desapegar de tudo que é material.

Treinar e muito, este é o segredo......


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quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Hora de recomeçar

Em algum momento do caminho há de se enfrentar a tempestade. Acredito que na verdade o trajeto todo é exatamente sobre os dias de sol que aproveitamos em paz, tratando de cultivar, viver e memorizar a sensação existente ali. Certamente essas lembranças serão úteis.

Parece uma equação até óbvia, mas o óbvio muitas vezes só é para a cabeça, porque na realidade vivida mesmo é mais complicado que isso.
Onde você está agora, só interessa, faz sentido se quem você é agora neste lugar, possuir conexões diretas com passado e futuro.

Para cada dia vivido em meio ao suor, existe uma ponte que liga, presente, passado e futuro. As alegrias e tristezas não serão as primeiras, nem últimas, uma vez que seus pés já estiverem em algum lugar desta estrada.

Nada nesse sentido é melhor ou pior, assim como nada será perdido ou desperdiçado. Há o que há e esta exatamente onde deveria estar. Esta é a certeza que movimenta a estrada.

E como sempre, hoje, ontem e amanhã, é hora de recomeçar.

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segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Humildade, Sabedoria do Mestre Konomoto

Uma das coisas que mais impressionava no período em que estive no Japão era a humildade que se tinha de um modo geral, não apenas no fato de praticarmos uma arte marcial, mas na forma de pensamento do próprio povo. A pessoa que detinha o conhecimento, procurava não demonstrar, não fazia questão de que todos soubessem de tal conhecimento. Por outro lado, aquele que estava ali para aprender, tinha total consciência de que estava ali por não ter tal conhecimento. Deste tipo de atitude pode-se notar que a humildade encontra-se dos dois lados da história. Tal fato eu também notava em nosso Dojo. Tanto o nosso Mestre (Konomoto Takashi que é Hanshi 9 dan) quanto Shihan-Dai do Dojo (Nagatani Sensei que é 5 dan) tinham uma postura idêntica. Nenhum dos dois fazia a mínima questão de demonstrar ou mostrar suas graduações ou qualquer outro tipo de diferenciação. Suas faixas pretas eram velhas (antigas, desbotadas e gastas) e olhando-as era impossível de dizer ao certo suas graduações. Tão pouco se intitulavam como sendo qualquer coisa.
Eles ensinavam e a prova de que eles detinham o conhecimento era simplesmente porque eles "faziam" o que se propunham na prática. Os alunos com isso, demonstravam a humildade, prestando o máximo de atenção, sabendo que tudo que era ensinado ali, era de suma importância.
Aprendemos que não é elegante falarmos de nós mesmos atribuindo méritos, que não nos chamamos de Senseis e que sempre é possível progredir e aprender mais.
A maior herança que vejo que podemos deixar com o que aprendemos lá no Honbu Dojo em Shizuoka, talvez não sejam os títulos conquistados, as medalhas e troféus. Tão pouco sejam as graduações ou nomeações. Acredito que a nossa maior herança pode ser no dia em que retornarmos lá no Honbu e diante do Sensei Konomoto e Sensei Nagatani, eles nos olharem e dizerem: "Vocês continuam os mesmos, diferentes, mas iguais....."

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