quinta-feira, 28 de abril de 2011

O importante é competir - parte I -

O Karate-Gi ainda nem era de lona. A faixa era a oposta da preta de hoje. A idade nem se fala e a experiência muito menos. Porém ali, eu tinha como grande aliados os fatores que na infância, nos fazem encarar as novidades, os desafios com mais naturalidade do que na vida adulta. Ser criança é sempre uma descoberta todos os dias e estar ali sentado, esperando a minha vez para fazer o meu primeiro Kata, na minha primeira competição, era mais uma dessas descobertas.

Tradicionalmente, todos os anos o Campeonato Estadual de Karate-Do Goju-Kai da Província de Shizuoka-Ken, acontece no mesmo ginásio. O ginásio B&G de Sagara. Um pequeno ginásio comparado à grandes palcos esportivos do Japão como o Yoyogi e o Budo-Kan, onde mais tarde tive a oportunidade de competir em outras ocasiões.

No Japão, não se usa o calçado usado para andar do lado de fora (rua) dentro dos recepientes. Isso desde dentro da sua própria casa, escola e no ginásio também não era diferente. Então, logo na entrada do ginásio, do lado de dentro, haviam centenas de pares de diversos tipos de calçados. De sapatos sociais à tênis de corrida. Como culturalmente no Japão não existe o fator popular no Brasil chamado de roubo, não existia risco ou melhor, não passava pela cabeça de ninguém deixar o seu tênis ali e temer pela presença (ou melhor, a não presença) deste mesmo ao voltar. Claro, os brasileiros temem nas primeiras vezes, pois pensam como brasileiros.

As quadras dos ginásios japoneses, sempre estão em estado impecável, sem exagero e com exatidão, é correto dizer que elas estão sempre brilhando. Naquela época, tatami (piso) de competição era algo que só víamos quando íamos disputar um campenato de porte maior, como o campeonato nacional. Em eventos estaduais, não eram utilizados tatamis. Até hoje, em alguns eventos não são utilizados e penso eu que, com aquelas quadras impecáveis realmente dependendo da situação, a utilização não se faz necessária mesmo.

Muitas crianças de Karate-Gi e aos poucos foi batendo aquela ansiedade (que só conhece quem compete), aquele frio na barriga que à partir daquele dia me acompanharia durante todo o meu trajeto esportivo. Mudando sim com o tempo, acompanhando a minha própria mudança evolutiva, mas sempre ali, presente naquele momento que antecede a competição. Bastante gente para assistir e muitas famílias reunidas para acompanhar os membros da família que iam competir. Claro, que uma vez estando ali o meu irmão e eu, ambos como atletas, minha família também estaria ali, todos juntos para nos ver. Especialmente para as crianças no Japão, dá para dizer 100% que o domingo de campeonato é um evento em família.

Foi fácil passar o tempo entretido ali com tanta coisa acontecendo e o relógio costuma andar bem rápido quando isso acontece. Um chamado no microfone, uma categoria e um aviso do meu irmão: É a sua categoria.

Leia Mais…

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Tradição e Competição

Nossos dias que antecediam a competição de Shizuoka-ken, não eram muito diferentes dos dias de treinamento normal. O conceito de competição no nosso Dojo tinha um valor diferente. E me orgulho de ter aprendido tão sábias lições de um grande Mestre. Ninguém entra em uma competição para perder, claro, ou simplesmente para participar, todos no seu íntimo tem um único desejo que é vencer. Mas vencer possui vários fatores que o tornam dígno ou não. Vencer significa ter sido sincero com seus ideais, pois nem sempre vencer seu oponente se traduz em ter vencido a si mesmo. Os campeões do nosso Dojo não recebiam tratamento diferenciado, não tinham honrarias ou qualquer tipo de benefício. Eram alunos comuns. E isso é uma característica marcante do Dojo, a simplicidade traduzida em gestos e posturas e não em discursos ou sermões. Vencer pode ser bom, pode lhe trazer satisfação em ter alcançado sua meta, pode lhe dar mais motivação em estipular novos desafios ou, pode ser ruim, lhe trazendo arrogância, lhe fazer acreditar que é melhor do que realmente é, e acreditar que é sim melhor que os outros.
Para mim aquilo tudo começava a fazer todo o sentido, mas não sei o que se passava na cabeça de uma criança de dez anos, no caso do Horácio. É incrível como um Dojo sério, com Senseis sérios, consegue passar a idéia, o ensinamento, o conceito, muitas vezes sem palavras específicas, para crianças, adultos, homens e mulheres, de forma igual que todos entendam. Era com muito orgulho que via meu irmão se empenhando nos treinos para sua primeira competição, e isso sem saber os frutos que iria trazer no futuro.....
Lá naquele pequeno Dojo se aprende que a competição é importante para o desenvolvimento do "Karate-ka" e não na criação de um "apenas" atleta. Não se diz que a competição é errada ou desnecessária, mas também não enaltece que seria a única coisa importante. Lições de bom senso, de equilíbrio, grande lições para quem busca sabedoria. Tradição e competição caminhando lado a lado, cada um com seus benefícios para a formação do ser humano e manutenção de uma arte milenar.
Lições de como percorrer o caminho, vivenciando, dia após dia, em cada treinamento, demonstrando nas pequenas coisas, seus verdadeiros valores. Vencer todos os dias, vencer seu adversário imaginário em todos os treinos, vencer os obstáculos, vencer suas fraquezas.
A competição tinha uma data e local específico, mas para nós daquele Dojo, tudo fazia parte do caminho.....


Leia Mais…

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Otagai

Novembro de 1992. A faixa ainda era a branca e a experiência ainda era pouca. Um Kata aprendido e um pequeno desafio, competir pela primeira vez.
Com a proximidade do campeonato, a única coisa no treino que foi modificada, adaptada do tradicional para a competição, foi a orientação dada pelo sensei Nagatani de como entrar na área de competição (Koto).
Havia uma categoria só para fixas brancas e ali morava o meu primeiro desafio dentro das competições.
No Japão, é muito comum por se tratar do berço do Karate e da própria cultura local que prega muita disciplina, ver nos campeonatos infantis um padrão exatamente igual de modelo de apresentação para campeonato. E era exatamente aí onde o treino se tornava digamos assim específico. Na verdade não sei ao certo se dá para chamar de específico, pois tirando o treino dessa parte padrão de entrada e saída do Koto, era o nosso bom e velho treino tradicional.
É claro que nesta experiência, havia muito mais o fator "experimentar" do que de fato o fator "tenho que vencer" e a lembrança mais bacana que tenho disso, é o fato de ter feito exatamente o meu melhor naquela época.

A raíz é muito importante para o que vem adiante. E ali, naquele primeiro ano, naquela primeira experiência eu pude aprender a esseência daquilo que que carrego até hoje de mais valioso. Dar o melhor de si.
Não existe Otagai dentro do Karate-Do se você não compreender, não possuir sua raíz firme, ligada exatamente nesta lição. Otagai em um caminho como o nosso, quer dizer exatamente que caminhamos todos juntos, cada um fazendo o seu melhor. Não é carregar todos nas costas, não é contar histórias de ontem sentado em um banco. Otagai aqui, está ligado diretamente ao que signica Karate-DO.
Em dias em que você pode achar o "significado" de coisas como o Dojo-Kun ou até mesmo da palavra Karate-Do no google, nada vale o excesso de informação se três palavras (entrre outras esenciais) não existirem no suor do seu Karate-Gi: Michi, Otagai, Kokoro. E vale frisar que eu disse SUOR do deu Karate-Gi.

Ao longo destes anos, eu e meu irmão dividimos muitas coisas. Entre elas alegrias, tristezas, realizações e decepções. Não existe meio de ser imbatível ou ser sempre um derrotado, ganhar e perder faz parte da jornada. Existe sim trabalho. O que é certo dizer, é que caminhamos juntos sempre.
Otagai. Um sonho nosso em Otagai.
E sinceramente depois de tantos anos aqui, quer saber?  Nós queremos mais!
これからもお互い頑張ります。

Leia Mais…

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Ser melhor

Em nossos treinamentos, a ênfase era sempre para a parte tradicional, mas tínhamos também as competições. No mês de Agosto acontece todos os anos o "All Japan Karate-do Goju-kai Championship" e no mês de Novembro acontece o "Shizuoka Ken Karate-do Goju-kai Taikai" que é o Campeonato da Província de Shizuoka. Nosso Mestre Konomoto e nosso Sensei Nagatani colocavam sempre de forma equilibrada a importância sobre tudo, da parte tradicional que é o alicerce de tudo que treinávamos e da parte da competição. E por isso também tínhamos vários alunos Campeões em nosso Dojo. Isso para mim foi de grande importância, foi o que me fez ver que para ser tradicional, não há a necessidade de ser uma coisa isolada e que para ser um Campeão, não é preciso abrir mão da tradição. Conceito vindo de uma pessoa que considero realmente um "Mestre" não apenas pela sua técnica, mas sim pela sua sabedoria.
Exatamente este conceito reforçou em mim a vontade de crescer, de vencer, de me superar, de alcançar o mundo. E através das competições na Província de Shizuoka, podemos dizer que o "Saito Brohters" iniciou seu caminho nas competições para conquistar o mundo.
Em Novembro de 1992, o Horácio iria competir pela primeira vez e o que eu podia fazer era passar um pouco da minha experiência e dar palavras de incentivo.
Não é preciso ressaltar o alto nível técnico encontrado nos atletas das competições do Japão, e também na grande quantidade de crianças em suas categorias. Esta dificuldade encontrada nas competições é o que exatamente servia de combustível para o nosso crescimento. Incorporamos a conduta de ver a derrota sempre como uma ferramenta que nos motivasse a melhorar, a superar aquele obstáculo tão dolorosamente às vezes imposto e lhe dar com a vitória sempre como uma recompensa do trabalho árduo efetuado e nunca como uma forma de engrandecimento do próprio ego.
Ser melhor, sempre, em tudo, valorosa lição que nos foi ensinado e que orgulhosamente e agradecidamente posso dizer que aprendemos....

Leia Mais…

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Quebrando ovos

Na parede do Honbu Dojo em Sagara, havia um simples calendário feito de cartolina, com os principais eventos (a maioria campeonatos e exames de graduação) do ano escritos com uma caneta vermelha em destaque.

Porém, dentro do Dojo, no que se faz dentro de um Dojo, não haviam metas gigantes. Não haviam passos apressados sedentos de um final, só havia o dia de hoje, o treino de hoje e ao final deste como consequência, havia aquilo que tinha de ser feito no dia de amanhã. Pensar em melhoras e aprimoramentos eram consequências de um momento vivido em movimento. Quando seus pensamentos e suas vontades estão extamente no presente, o futuro chega na medida, no tempo e na intensidade certa. Assim nós vivemos nossos dias no Japão de uma forma geral, seja com a nossa vida cotidiana, seja com a nossa vida dentro do Karate. Claro, entendam isto da forma certa. Não é a inexistência de metas, sonhos e objetivos, é exatamente o oposto disso, é viver as coisas necessárias no presente pelos seus objetivos.

Na prática quer dizer que ninguém está quebrando ovos pensando no sabor do bolo. Quebra-se ovos "pensando" em quebrar ovos apenas. É claro que Karate não é receita de bolo. Mas durante estes anos "cozinhando", acredito que é possível dizer que trata-se de um acúmulo de verdades dia após dia que resulta na técnica, na perfeição, na formação adequada de um indivíduo.

A verdade de hoje: Okay. O treino de hoje: Okay. Qual é o próximo passo? O meu naquela época, era o meu primeiro campeonato. O Campeonato Estadual de Shizuoka.

Leia Mais…

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Simples


Nossos treinamentos em meados de 1992 no Shizuoka Goju-kan Honbu Dojo tinham aquele ar de descontração e não de obrigação. Viajávamos cerca de 2h30 até chegar ao Dojo, entre ônibus e trem, mas era uma viagem divertida, pois era sempre uma experiência diferente. Acredito que estas viagens foram essênciais para que nossa amizade se tornasse ainda mais forte. Conversávamos sobre vários assuntos, desde karate (claro) a games novos, mangás, coisas da escola.

Quando chegávamos na cidade de Sagara, sempre tínhamos tempo para passar na loja de esportes da "Kondosan" e vez ou outra comprar alguma coisa, passar em alguma loja de conveniência ou livraria para comprarmos algum mangá novo ou revista de Karate-do. O treino começava às 19h e terminava às 21h, mas para nós extendia-se até às 23h. Para muitos isto seria ruim, já que era no sábado, mas para nós era fantástico, pois era o dia de treinarmos com o Sensei Nagatani e com o Sensei Konomoto.

Estes dias de treinamentos para mim eram inesquecíveis, poder aprender os conceitos das técnicas em sua essência, já que o método que os Senseis sempre utilizavam era de mostrar sua aplicabilidade. Tanto Sensei Nagatani, quanto o Sensei Konomoto sempre frisavam para que eu entendesse o "Imi" ou seja o significado daquilo que eu estava fazendo. Não havia movimento que não fosse explicado, o que tornava o entendimento mais simples, aliás, simplicidade sempre foi sinônimo daquele Dojo.

Grandes lições, simples, de pessoas simples, de um lugar simples, mas de uma importância imensurável..... Shizuoka Goju-kan Honbu Dojo

Leia Mais…

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Ver o mesmo mundo

Em um dia de folga qualquer era fácil você nos encontrar no centro de Hamamatsu, passeando pelos Shoppings, visitando lojas esportivas e jogando fliperama nos grandes Game Centers da cidade.
Talvez, mais do que dizer que viver no Japão quando criança/adolescente definiu a minha forma de ver as coisas, é correto dizer que viver no Japão neste período com o meu irmão definiu a minha visão sobre as coisas.

Talvez também seja correto definir este perído da minha história como uma continuação daquilo que eu já contei por aqui, a influência do meu irmão, só que em dose mais intensa.
Durante este período, seja dentro do nosso cotidiano no Karate, nos treinos fora do dojo ou em momentos de lazer, eu continuei herdando, aprendendo e cultivando as mesmas paixões e visões do meu irmão.

Se antes do Japão existiam os filmes de luta, agora existiam os jogos de luta em geral, liderados claro pelo Street Fighter(recentemente comprei a versão do Street Fighter IV para Ipod Touch) e o gosto por marcas de material esportivo como Nike, Adidas e Asics por exemplo.
É claro e bem óbvio que o Karate possui uma parte muito grande desta influência do meu irmão já que SEMPRE tinha treino e NUNCA eu tinha um motivo se quer que me fizesse faltar (por mais que de vez em quando eu tivesse aquela preguiça infantil).

Eu acredito que o Karate-Do por si só, ensinado, treinado da maneira correta acaba se tornando com o passar do tempo a sua maneira de ver o mundo. A nossa ligação de sangue, nos une naturalmente pela existência no mesmo mundo, na mesma família. O Karate, nos une por direcionar nossos olhares para o mesmo lugar e essas tantas preferências, gostos e paixões passadas do mais velho para o mais novo, na verdade é o bônus que fez/faz o nosso Karate-Do ser ainda mais "divertido" se assim posso dizer.

Os anos traçando metas de como melhorar, como ser mais rápido, mais forte, mais correto foram duros. Com dez, onze, doze, treze anos, foi sempre muito difícil acompanhar o ritmo do meu irmão. Mas por mais duro que fosse, sempre haviam aqueles momentos de lazer que se olhar pela ótica da união, só nos fazia olhar pela mesma janela sempre.

As pessoas nascem com personalidades diferentes e algumas coisas permanecem diferentes pelo resto da vida. Porém, viver a vida e compartilhar verdades aproximam as pessoas, por mais próximas que elas já sejam por natureza.

Na visão, na vivência do dia à dia do Karate, ele sempre quis que eu fosse o melhor. Mas isso eu deixo para contar outro dia, pois rende uma longa e ótima história...

Leia Mais…

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Kyodai



Desde o primeiro dia de treino de karate do Horácio, podemos dizer que nossos laços de companheirismo se tornaram ainda mais fortes. Fazíamos praticamente tudo juntos, os treinos do Dojo, os treinos no parque, jogar videogame, passeios, enfim, éramos podemos dizer, "kyodais" de verdade. Porque não existia ali nenhum sentimento de obrigação, era na verdade uma ligação muito forte. Os exemplos dados dos nossos Senseis Konomoto e Nagatani só reforçavam este sentimento. O pensamento sempre voltado ao bem estar de todos e não apenas na própria pessoa. Ainda bem que tivemos bons exemplos que nos fizeram entender (em algumas vezes de forma bem rígida...rsrsr) os preceitos de percorrer o caminho de forma sincera e verdadeira.
Em 1992 não tínhamos idéia que um dia nos tornaríamos a dupla Campeã Brasileira, Sul-Americana e Terceiros do Mundo em Bunkai-kumite-kata, mas uma coisa já sabíamos, treinávamos com o coração. O treino era duro, nossos Senseis cobravam de nós o máximo e eu cobrava do Horácio ainda mais. E tudo isso por uma razão muito simples, eles queriam que aprendêssemos de verdade. E assim, eu queria que meu irmão fosse não apenas bom, mas o melhor.
A cada dia nos tornávamos mais companheiros, compartilhávamos dos mesmos treinos, dos mesmos sacrifícios, das dores parecidas, do mesmo sentimento.... nos tornávamos mais amigos e o sentimento de "kyodai" se tornava mais forte.
Este sentimento de kyodai hoje é muito importante, pois continuamos trilhando o Caminho, consciente de que o percurso ainda é longo..... mas não sózinho!

Leia Mais…